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domingo, 29 de agosto de 2010

A mula sumiu.

Dias destes fui com meu sogro conhecer o lugar onde ele tinha nascido. É perto daqui, uma região rural de Rio Bonito, entrando em Rio Seco e andando uns 20 km adentro se chega a uma região conhecida como Mata. Se aquele lugar não parou no tempo andou bem devagar, ainda se vê vendinhas, capelinhas, cemitério de meia dúzia, plantações e animais pastando. Ouvi muitas histórias, mas uma muito engraçada. Vovô Mário, pai dele, lá pelos anos 30 trabalhava para o irmão conduzindo tropas de mulas com a produção da roça para trocar na venda em Rio Seco. Certa vez vinha ele com onze mulas e com a recomendação expressa do irmão para ficar de olho nas mulas e que tivesse muito cuidado para elas não desgarrarem, principalmente na volta. Ele desceu para Rio Seco com todas as mulas carregadas. Ia à frente caminhando e de vez em quando olhava para traz parava e contava as onze mulas, tava tão preocupado que contou mais de dez vezes durante a descida. Na volta, após descarregar a carga e carregar duas ou três mulas com as encomendas, montou em uma delas, amarrou uma nas outras e pegou o caminho de volta. Um pouco mais a frente resolveu contar de novo e só tinha dez, olhou em volta contou novamente e ficou desesperado pela perda de uma das mulas do irmão. Subiu pensando em o que ia falar, na bronca que iria levar e em como não tinha visto a mula fujona mesmo amarrada. Quando chegou desceu da mula e resolveu contar de novo e abriu um sorriso ao ver onze mulas novamente, sendo que desta vez contou com aquela em que esteve montado.

Minha filha vai viajar.

Minha filha vai para Madrid.

Que bom!!!
Vai filha, vá viver uns tempos lá.
Vá para Madrid, Espanha, Europa, pro Norte.
Você que é do Sul.
Não sinto medo da sua ausência temporária,
Sinto saudades antecipadas que é como se saudade real fosse, mesmo que ainda a tenha por perto por estes dias.
Madrid vai ganhar uma pessoa melhor por uns tempos, com uma visão justa das coisas e de querer bem.
Vá ganhar maturidade, amplitude, conhecimento, amigos. Um pouco mais de coisas que você já tem.
Quando a saudade apertar vamos nos falar e ver no Skype.
Se concentre no começo no que é bom e nas coisas boas que te moveram para ir.
Se sinta forte olhando para adiante.
Respire de quando em quando e de sempre em sempre, vai te ajudar, já diz sua mãe.
Aproveite os momentos sozinha para ler, observar, entender...
Aproveite os momentos acompanhada para uma boa conversa.
Aproveite as viagens para registrar suas imagens e depois compartilhar com todos nós e curta seu tempo lá que a volta é logo.

Boa viagem!!!

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Há muito tempo atrás meu pai me mostrou o texto abaixo que é de um poeta Árabe e durante anos li como filho e outros tantos tenho lido como pai, e a cada releitura e momento me faz refletir sobre esta relação tão especial entre pais e filhos.


O poema de Kalil Gibran

Vossos filhos não são vossos filhos.   
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

sábado, 21 de agosto de 2010

Eu vi.

Há muitos anos eu havia decido que não contaria o acontecido naquele dia. O fato era tão inusitado e impossivel de crer que resolvi me calar, pois, naquela época, qualquer criança que apresentava um distúrbio,  o médico da cidade dava Gardenal e diagnosticava epilepsia e isto era uma condenação para qualquer um.  Há cerca de duas semanas, minha convicção começou a mudar depois que um amigo me contou, sem saber,  uma história muito parecida com a minha, que tinha visto na internet. Pesquisei intensamente  e concluí que a história se repetia nos detalhes em que só eu vivera e portanto não podia ser  mera coincidência. A partir disto, resolvi revelar o acontecido e, afinal, vou fazer 50 anos e o mundo hoje já tem drogas melhores que o Gardenal.

Me lembro até hoje, era dia 31 de junho de 1974, uma noite muito fria de inverno, eu morava em uma pequena cidade do interior e constumávamos nos reunir em uma rua principal que era o ponto de encontro natural de todos do local. Nesta época o frio reduzia significativamente o número de pessoas na rua, já eram dez e vinte da noite e resolvi ir embora para casa, já sem interesse de ficar ali, pois a menina que eu estava paquerando já tinha ido embora. Tive que ir sozinho, pois os amigos que ficaram, moravam pra outros lados. Atravessei a praça principal com a lembrança do sorriso dela na mente, pequei o jambo que havia acabado de cair e ia subir as escadas que davam para a praça da igreja, quando ouvi um barulho de um cavalo galopando em velocidade, subi as escadas e olhei em volta e nada vi, nem gente e muito menos cavalo. Da praça dava para ver a igreja no alto de um pequeno morro, de um lado dela tinha a casa do Padre e de outro o salão Paroquial, de onde por um beco se chegava ao cemitério, atrás da igreja. Para chegar em casa, eu tinha a opção de cortar caminho por este beco ou seguir em frente até a prefeitura e virar a rua da Padaria do Garibaldi. O silêncio foi novamente interrompido, primeiro pelo sino de meia hora e depois pelo barulho do galope de cavalo e eu nada via , comecei a ficar com medo e logo fiz o sinal da cruz, já em frente à gruta de oração. Era nítido o som da ferradura batendo no paralelepido, chegando muito próximo e se afastando no outro sentido, como se tivesse correndo preso a uma determinada faixa de rua. Olhei para cima em direção ao beco e vi uma luz que se movia, quando ouvi o terceiro galope, parei, já tremendo de medo, fiz novamente o sinal da cruz, fechei e abri os olhos e lá estava ela parada na entrada do beco, imponente, emitindo uma luz amarelo ouro, muito intensa, em um feixe curto e grosso saindo do pescoço, como se fosse uma tocha de fogo. Fugi como um raio e corri até minha casa praticamente de olho fechado. Era uma MULA SEM CABEÇA.




quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Quintal do Natal

A casa do Natal era do outro lado da rua em frente à casa de minha vó. Era uma casa de frente longa, calçada alta e acinzentada, como as casas de antigamente. As janelas e portas cumpridas, com vidros coloridos davam alguma cor naquele lugar. Debruçado na janela ou sentado na porta, Natal passava boa parte do dia, devia ter uns 48 anos, mas para nós parecia um senhor gordo e velho, era simpático com a gente, mas sem muitas
palavras. Religiosamente, após o almoço, fechava as janelas e a porta e ia tirar um sono, tal qual um velho urso, que na verdade era como o víamos. Sempre esperávamos por este momento, pois depois de retornar do colégio precisávamos arrumar algo para fazer e fugir da obrigação de estudar ainda mais e o quintal do Natal era o lugar perfeito, um verdadeiro pomar; tinha jenipapo, manga, goiaba, amora, jabuticaba,... enfim fruta e diversão para o ano inteiro, era grande o suficiente para atravessar de uma rua a outra e o melhor, não tinha cachorro. Num daqueles dias era "época" de jabuticaba e mais uma vez pulamos o muro da frente e sorrateiramente fomos para o quintal, o pé estava perfeito, todo carregado e colorido de verde e preto, sentamos em um toco que tinha debaixo e começamos a comer e conversar baixinho para não acordar os donos da casa. Era tanta jabuticaba no pé que não dava para subir, mas também nem precisava, mas o Toinzinho, ligeiro que só, subiu no pé de goiaba ao lado e por cima passou para a jabuticabeira e de lá jogava o caroço na gente e falava que as lá de cima eram mel puro. Avisamos a ele para falar baixo que se nao ia acordar o Natal ou a Yolanda ele ria e jogava mais caroço. A mulher do Natal, a Yolanda, era uma morena muito bonita e muito mais nova do que ele. Ela ainda não sabia que nós três éramos apaixonados por ela, que era igual a Gabriela da novela. De repente o instinto, que só os moleques tem, nos fez ouvir o barulho de porta e em segundos já estávamos no fundo do quintal, próximo a nossa passagem secreta na cerca de bambu. Já do lado de fora, pela greta da cerca, vimos a Yolanda descendo as escadas da varanda da cozinha, de pés descalços, em um vestido florido curtinho com as coxas de fora, quando chegou no final da escada dava para ver o gande facão que tinha nas mãos. Nosso riso se misturou com o medo do fim trágico do Toizinho, ela lentamente caminhou em direção ao pé de goiaba e ao chegar se abaixou junto a uma touceira de capim limão e arrancou com o facão um chumaço de capim, voltou e deixou o capim e o facão em um grande banco de madeira, que ficava logo ali, e começou a recolher a roupa do varal, enquanto cantava a música do Roberto Carlos que vinha do rádio na cozinha. Custamos a sair daquele estado congelado enquanto o Toizinho tentava se parecer um calango estático. Foi então que corri como nunca  dando a volta pela rua e indo até a frente da casa. Comecei a bater palma como se estivesse chamando alguém e depois de muito insistir ouvi a voz dela pedindo para o Natal atender a porta que tinha alguém batendo, mas dele só se ouvia o ronco alto no quarto da frente. Finalmente ouvi o rádio ser desligado e ela gritando que já ia. Corri para casa da minha vó e me escondi atrás do portão.


Sorte do Toizinho que a Yolanda não gostava de jabuticaba e o Natal tinha um sono profundo.
Aquela foi a ultima vez que comi jabuticaba no quintal do Natal.



sábado, 14 de agosto de 2010

Ô MANO!!!

Ô mano! Era a expressão mais comum que ele usava. Servia para brincar, servia para saudar, servia para brigar. Era Dentista por circunstância da vida, vendedor por instinto e Diretor por conseqüência. Palmeirense, apaixonado por futebol, que usava para figurar suas falas. Contava casos como se tivesse vivido, na verdade sempre foi um personagem. Usava as crises como oportunidade ou como oportunismo, neste caso as criava. Lembro dele falando – “ô mano, quando estiver dependendo da solução de alguém coloque o bode na sala e jogue as chaves fora, pois quando o bode começar a feder a solução aparece” e ele tinha o sangue frio para fazer isto, perdia algumas ganhava muitas. Naquela época mandava mais que o Presidente da empresa, e é daquela época uma das muitas histórias interessantes do Zé.



Final dos anos 90, a empresa ia muita bem, e freqüentemente fazíamos reuniões de revisão de estratégias e plano orçamentário, eram umas 30 pessoas entre Gerentes Regionais, Distritais e pessoas de Matriz. Quase sempre em um hotel em Atibaia e até hoje desconfio que o que importava naquele hotel não eram as boas salas de reunião e sim o Campo de Futebol, gramado perfeito, todo marcado com cal e o Palmeiras haviam feito pré-temporada ali. Se o campo era o diferencial o mais importante daqueles quatro ou cinco dias eram as peladas do final do dia. Nada podia atrasar para não prejudicar o campeonato entre os Regionais e os Distritais, se no dia seguinte tivéssemos que começar a trabalhar mais cedo ninguém tinha duvidas, mesmo os que não gostavam de futebol. Tudo com o apoio do Zé, afinal ele era o dono da reunião, dono da bola e o dono da camisa 10 do time dos Regionais, mas uma coisa tem que admitir o “excomungado” era bom de bola apesar de já estar uma BOLA. As partidas eram precedidas de muita provocação, na entrada em campo tinha foguetório, que o puxa saco do Vitório, dono do hotel, oferecia. O clima era quente e sempre dava um jogo duro. Para controlar tudo isto tinha o Ézio, um Distrital, boa gente, sistemático, um cara pouco flexível no dia a dia e que naqueles dias incorporava o Juiz, cabelo baixinho, repartido do lado, bigode curto aparado, uniforme preto, cronômetro, apito e muita autoridade. Ele tinha o cuidado de olhar as travas das chuteiras e por vezes reclamava de um uniforme ou outro mal arrumado.



Lá do outro lado do campo o Zé já gritava – “o Mano, vamos parar com esta viadagem e começar logo esta merda”. Depois de alguns minutos, já no segundo tempo, quatro gols, jogo empatado, o Alma, um atacante do time deles, magrinho, ligeiro e malaco, se joga dentro da área e o Ézio da pênalti. É um bate boca sem fim, queríamos matar o Ézio e o desgraçado não se aperta, pega a bola e coloca na marca do pênalti. Para minha surpresa o Zé esta calado, mas era só olhar para ele e ver que o surto é iminente. Enquanto a discussão continua e o Alma se prepara para bater o penalti, o Zé anda firme em direção a bola e da um bico nela e a manda pro brejo que tem do lado do campo e transtornado grita – “ninguém vai bater pênalti aqui...” – mais 1 minuto de silêncio depois daquele bico, todo mundo surpreso, menos o Ézio, ele calmamente pega a outra bola, coloca na marca do pênalti novamente, puxa o cartão vermelho e aponta o outro dedo para fora expulsando o Mano... a surpresa foi tão grande que ele não ousou discutir ou contrariar o Ézio e caminhou de cabeça baixa para o vestiário, sorte do Ézio que no final ganhamos o jogo.

Niterói, 15 de agosto de 2010.

O Negão Boa Gente

sábado, 14 de agosto de 2010

Negão Boa Gente



Viro a esquina da Magnólia e lá está novamente a Van parada no meio da rua, com o pisca pisca ligado, em frente à padaria da Aurora.

Paro o meu carro sem querer complicar ainda mais o trânsito. Dentro da Van algumas crianças, três ou quatro, não mais, estão muito quietas, meio dormindo meio acordadas e do lado de fora uma mãe-avó conversa tranquilamente com o motorista, um negão com cara de boa gente.

Neste tempo a Baixinha já colocou meu café puro e eu logo reclamo que o pão vai torrar na chapa, mais uma vez ela resmunga e corre para tirá-lo e eu mais uma vez reclamo, uma rotina que temos necessidade.

Neste horário, cinco para as sete, o trânsito piora a cada minuto, a Van parada é motivo de buzinas de reclamação e o boa gente termina a conversa com a mãe-avó e, calmamente, pede um café com leite ”crarinho” no copo de “prástico” e, com a intimidade marcada por um sorriso fácil, deseja bom dia a todos.

Com o copo quente volta para a Van da Escola Tia Júlia, abre a porta do carona, mexe em algo que não vejo, pois a porta aberta encobre a minha visão,joga dois sacos plásticos na calçada,entra no carro equilibrando o copo quente e pula para o outro banco.

Minha habitual concentração no jornal fica de lado, e de lado observo que a Baixinha também parou e me observa atentamente a pensar o que deu nele que hoje esqueceu do jornal?

O Negão Boa Gente se acomoda lentamente e, com todo o cuidado de um “Profissional do Trânsito”, sai com o café com leite quente em uma das mãos e o volante na outra.

Será que o carro é automático?

Esqueci de ver.

Deixa para lá; amanhã, quando eu virar a Magnólia novamente, ele vai estar lá.

Pobres crianças.

Niterói, 11 de agosto de 2010.