Páginas

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Quintal do Natal

A casa do Natal era do outro lado da rua em frente à casa de minha vó. Era uma casa de frente longa, calçada alta e acinzentada, como as casas de antigamente. As janelas e portas cumpridas, com vidros coloridos davam alguma cor naquele lugar. Debruçado na janela ou sentado na porta, Natal passava boa parte do dia, devia ter uns 48 anos, mas para nós parecia um senhor gordo e velho, era simpático com a gente, mas sem muitas
palavras. Religiosamente, após o almoço, fechava as janelas e a porta e ia tirar um sono, tal qual um velho urso, que na verdade era como o víamos. Sempre esperávamos por este momento, pois depois de retornar do colégio precisávamos arrumar algo para fazer e fugir da obrigação de estudar ainda mais e o quintal do Natal era o lugar perfeito, um verdadeiro pomar; tinha jenipapo, manga, goiaba, amora, jabuticaba,... enfim fruta e diversão para o ano inteiro, era grande o suficiente para atravessar de uma rua a outra e o melhor, não tinha cachorro. Num daqueles dias era "época" de jabuticaba e mais uma vez pulamos o muro da frente e sorrateiramente fomos para o quintal, o pé estava perfeito, todo carregado e colorido de verde e preto, sentamos em um toco que tinha debaixo e começamos a comer e conversar baixinho para não acordar os donos da casa. Era tanta jabuticaba no pé que não dava para subir, mas também nem precisava, mas o Toinzinho, ligeiro que só, subiu no pé de goiaba ao lado e por cima passou para a jabuticabeira e de lá jogava o caroço na gente e falava que as lá de cima eram mel puro. Avisamos a ele para falar baixo que se nao ia acordar o Natal ou a Yolanda ele ria e jogava mais caroço. A mulher do Natal, a Yolanda, era uma morena muito bonita e muito mais nova do que ele. Ela ainda não sabia que nós três éramos apaixonados por ela, que era igual a Gabriela da novela. De repente o instinto, que só os moleques tem, nos fez ouvir o barulho de porta e em segundos já estávamos no fundo do quintal, próximo a nossa passagem secreta na cerca de bambu. Já do lado de fora, pela greta da cerca, vimos a Yolanda descendo as escadas da varanda da cozinha, de pés descalços, em um vestido florido curtinho com as coxas de fora, quando chegou no final da escada dava para ver o gande facão que tinha nas mãos. Nosso riso se misturou com o medo do fim trágico do Toizinho, ela lentamente caminhou em direção ao pé de goiaba e ao chegar se abaixou junto a uma touceira de capim limão e arrancou com o facão um chumaço de capim, voltou e deixou o capim e o facão em um grande banco de madeira, que ficava logo ali, e começou a recolher a roupa do varal, enquanto cantava a música do Roberto Carlos que vinha do rádio na cozinha. Custamos a sair daquele estado congelado enquanto o Toizinho tentava se parecer um calango estático. Foi então que corri como nunca  dando a volta pela rua e indo até a frente da casa. Comecei a bater palma como se estivesse chamando alguém e depois de muito insistir ouvi a voz dela pedindo para o Natal atender a porta que tinha alguém batendo, mas dele só se ouvia o ronco alto no quarto da frente. Finalmente ouvi o rádio ser desligado e ela gritando que já ia. Corri para casa da minha vó e me escondi atrás do portão.


Sorte do Toizinho que a Yolanda não gostava de jabuticaba e o Natal tinha um sono profundo.
Aquela foi a ultima vez que comi jabuticaba no quintal do Natal.



2 comentários: