A história abaixo é do meu amigo Antônio Torres e é o seu batismo no mundo dos blogs além de uma contribuição para o meu. Obrigado Toninho!
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Tinha uma novidade solta no ar se espalhando mais que coqueluche: domingo ia ter cinema na casa paroquial, depois da missa das nove. Programão, para os idos de 1963, quando o menino era ainda bem pequeno. Não sabia nem atravessar a rua sozinho. “Olha para um lado, olha para o outro e só atravessa quando não vier carro nenhum. Presta bem atenção, viu!” Mesmo tendo decorado a mecânica, teve que negociar em casa um salvo conduto para ir e vir. Vai com quem? A Tina vai. Vou com ela e mais Tadeu e Fernando e os primos de Bom Jesus que estão aí de férias. Então tá bem, mas não sai de perto deles, hein!
No domingo, todo mundo com a melhor roupa, lá foi o bando para a missa das nove. Chegaram cedo porque, como se sabe, missa se espera na igreja.
Mesmo para um adulto, a basílica de N. Senhora Auxiliadora, junto ao Colégio Salesiano em Niterói, é enorme. Para um pequeno, então, um mundo. Grandes abóbadas, a nave central altíssima, janelas laterais de ambos os lados com vitrais coloridos e temáticos, diversos altares laterais, cada um com sua história para contar. Nada disso era novidade para ele. Sua família era católica, seu pai, Congregado Mariano, assistia a missa dos primeiros bancos com faixa azul e branca atravessada no peito.
Ele ia à missa todos os domingos e mesmo sem entender quase nada daquela falação toda - o senta, levanta e ajoelha - sentia um certo fascínio pela cerimônia. Os termos em latim, a grandiosidade da arquitetura, a sonoridade quase mágica que o espaço possuía e, em especial, pelas andorinhas que, enquanto transcorria a missa, não paravam um minuto sequer de voar e voltear, piando e piando sempre.
O menino passava todo o tempo da cerimônia olhando para o alto. Ora acompanhando o vôo dos pássaros, ora olhando para os vitrais iluminados à leste pelo sol ainda baixo, ou então para os altares laterais, tentando desvendar os seus mistérios. São Sebastião cravado de fechas, Santo Antonio com o Menino Jesus no colo, a via crucis de Jesus, todo ensangüentado carregando sua cruz, fustigado pelos soldados romanos. Nossa Senhora com o coração aparecendo sob o manto...
Talvez tenham sido os seus pensamentos estranhos, o seu olhar simplório sobre todas aquelas coisas tão sagradas, que tenha levado a legião de santos e anjos à vingança. Tão distraído ele estava com tudo que nem percebeu que a missa acabara e que todos foram embora. Naturalmente, excitados com a perspectiva do filme, encerrada a missa, saíram rápido para a casa paroquial e não se lembraram dele. Mesmo os do salvo conduto que tinham se responsabilizado por ele se foram. A igreja estava vazia, só restara ele ali sozinho. Ficou sentado chorando baixinho durante muito tempo até que os fiéis que chegavam para a missa seguinte o encontraram e o levaram para casa. Enquanto fungava contando aos pais o acontecido, pensava se o pior de tudo era ter perdido o filme ou ter sido totalmente esquecido por todos, inclusive pelas andorinhas que, encerrada a missa, foram fazer verão em outra serventia.
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